ARQUITETURA GREGA E ROMANA
Ciências Humanas e Sociais

ARQUITETURA GREGA E ROMANA



O detalhe essencial
Luiz Marques

Este clássico de Robertson, "Arquitetura Grega e Romana", foi publicado em 1928 e reeditado com revisões importantes em 1940. Obviamente, desde então, assistiu-se a um enorme desenvolvimento dos estudos no âmbito da arqueologia clássica e da história da arte antiga, de tal maneira que aspectos pontuais da exposição sem dúvida terão sido problematizados pela erudição recente. Tal circunstância não afeta contudo substancialmente a atualidade da obra, que permanece uma das mais sólidas referências e um dos mais indispensáveis manuais em arqueologia e história da arte antiga.
Seu objetivo "é expor de maneira sucinta, mas clara, os principais fatos da história da arquitetura grega, etrusca e romana, dos tempos mais remotos à fundação de Constantinopla, até onde são conhecidos hoje". Passemos este "até onde são conhecidos hoje", anglicismo que está provavelmente por algo como: "Conforme podemos atualmente conhecê-los". O importante é notar como a obra se justifica, definindo com segurança a envergadura de sua missão. E, ao longo das mais de 500 páginas do livro, o objetivo é alcançado com um rigor e uma simplicidade bastante típicos da grande tradição britânica de divulgação científica.
Qual é o segredo do sucesso de Robertson? Para responder a questão façamos uma pequena digressão. O manual é um tipo muito peculiar de organização do material histórico. A exposição aqui flui placidamente, mas esta placidez oculta opções dramáticas do autor, resulta de batalhas cruentas e, finalmente, de compromissos engenhosos, entre a insaciável ebriedade da erudição e a sobriedade estóica da síntese seletiva. A grande dificuldade do compêndio reside justamente no fato de que não existe uma substância contrastante que, aplicada ao material histórico, permite distinguir com objetividade o que é essencial e o que é secundário. Este contraste, em primeiro lugar, depende de uma hierarquização elaborada pelo próprio autor, a partir de seu próprio universo intelectual, e isto em medida muito maior do que presume a leda crença num consolidado consenso historiográfico.
Em segundo lugar, a separação do essencial e do secundário é tanto mais difícil porque o essencial em história não é de uma matéria diferente da que é feita o detalhe. Se, como se tornou moda afirmar depois que Aby Warburg foi transformado em best seller por Carlo Guinsburg, "Deus está no detalhe", então a tarefa do historiador da arte, do arqueólogo, do historiador "tout court", não é tanto a de separar o joio do trigo, mas a de saber enxergar no joio, na história pulverizada da erudição, a presença latente da significação, do fato gerador de sentido. A grandeza da gesta histórica da arquitetura antiga só se revela no monumento arquitetônico, e a grandeza deste só se revela frequentemente no exame detido e minucioso de um aspecto aparentemente secundário (quanto cresce o Partenon, por exemplo, em nossa admiração ao compreendermos o subterfúgio mediante o qual seus arquitetos obtiveram o efeito eurítmico de sua colunata!).
Em terceiro lugar, finalmente, é no mais das vezes impossível trazer adequadamente à luz a densidade significativa do pormenor, a importância geral de uma partícula do material histórico, sem recorrer à tecnicalidade da linguagem na qual uma questão pontual foi formulada. Insiste-se com acerto no fato que a linguagem na qual a ciência contemporânea "pensa" tornou-se aos poucos em certa medida intraduzível em linguagens não formalizáveis, o que levanta de resto uma nova e curiosa barreira entre o saber e a cultura. Em ciências humanas, em história da arte, por exemplo, esta alteridade entre o especialista e o "honnête homme" não é obviamente tão intransponível e provavelmente não o será jamais. Ela não deixa entretanto de subsistir e de resistir crescentemente a toda tentativa de comunicação com o "profano".
Subjetividade controlada da hierarquização dos fatos históricos, revelação da dimensão geral do fato menor, formulação de uma estratégia linguística que permita comunicar um saber necessariamente especializado -Robertson deixa entrever no prefácio à primeira edição a vivência destas três dificuldades: "Ao lidar com este vasto tema, meu esforço foi o de manter o texto básico livre de detalhes capazes de confundir o leitor e dirigir a atenção para questões essenciais". Mas sua evidente serenidade ao enfrentar a tarefa e levá-la a bom porto não depende aparentemente tanto de uma excepcional habilidade metodológica, quanto de uma consciência positiva e feliz de que as premissas metodológicas não são rigorosamente premissas, de vez que emanam "naturalmente" da frequentação aprofundada do objeto.
Não é ceder excessivamente à tentação do estereótipo reiterar que esta sorte de bom senso seja algo peculiar a uma tradição historiográfica propriamente britânica. Não é por acaso que o compêndio histórico atingiu na língua inglesa, senão suas formas mais monumentais (troféu indisputado da historiografia alemã), ao menos sua forma mais acabada. Uma das qualidades imediatamente sensíveis da obra de Robertson é, neste sentido, a elegância, isto é, sua capacidade de moldar em 500 páginas mais de um milênio de história de três das civilizações arquitetônicas maiores do Mediterrâneo.
A questão da elegância histórica remete-nos a um aspecto importante da obra aqui examinada, e que diz menos respeito ao valor de verdade de seus enunciados (interrogação a que, como é o caso, um resenhista não especializado não estaria habilitado a dar resposta digna de crédito) que ao valor intrínseco de sua forma. Poder-se-ia indagar se o que justifica a tradução de uma obra de síntese concebida a partir do "estado da arte" da historiografia em 1928 não é justamente o fato de que é entre o último terço do século 19 e o primeiro terço do nosso século que a arte da síntese histórica alcançou sua máxima eficiência, enquanto projeto intelectual, enquanto forma de saber.
Robertson pertence plenamente à geração dos grandes historiadores anteriores às inquietações metodológicas sobrevindas com a crise do positivismo, com as abordagens meta-históricas dos "Annales". E, ainda que a historiografia inglesa tenha permanecido relativamente indiferente ao criticismo daí oriundo, é evidente que as genuínas tentativas de síntese e de introdução geral escassearam desde o pós-guerra, perdendo com frequência seu caráter acadêmico ou transformando-se em ensaios de interpretação de um grande período histórico, ou ainda em mosaicos de artigos especializados abordando diferentes aspectos de uma temática global, ou enfim (o que é menos inglês) em sanguinários ajustes de contas metodológicos com a consciência historiográfica imediatamente anterior. Daí a importância da tradução entre nós de um verdadeiro compêndio como o que aqui se noticia. Importância que não se resume à sua evidente utilidade para os estudantes e para a demanda de informação do homem cultivado, pois que é também uma bela oportunidade de dar a conhecer uma forma clássica, por assim dizer já histórica, da historiografia: a forma compêndio.
Naturalmente, alguns dos critérios estratégicos assumidos pelo autor seriam sem dúvida hoje mais discutíveis do que pareciam no início do século. Organizar a exposição a partir da evolução dos estilos dórico, jônico e coríntio com toda a probabilidade não pareceria a melhor opção para o arqueólogo e/ou historiador atual. Discutir as transformações da arquitetura sacra vinculando insuficientemente a dinâmica de sua morfologia aos aspectos antropológicos e filosóficos da religião grega, bem como ao mítico imaginário da "polis", ao menos no caso grego, não satisfará igualmente uma certa expectativa contemporânea.
Nunca é supérfluo repetir que não se pode requerer de uma abordagem, de uma perspectiva de inteligência dos fenômenos histórico-artísticos, algo que tal perspectiva não se propõe como questão. A obra de Robertson, se não pode ser atual para o leitor que a aborda a uma distância de quase 70 anos, não é menos por isso, necessária.
Luiz Marques é professor de história da arte na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Folha de São Paulo



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