A teoria de arte de Herbert Marcuse
Ciências Humanas e Sociais

A teoria de arte de Herbert Marcuse



Adorno parte do marxismo para teorizar sobre a arte, mas introduz não poucas contribuições que fazem da sua teoria sobre a arte uma nova perspectiva neste domínio. Para ele a arte moderna encontra-se numa situação «aporética», isto é, num beco sem saída. Na verdade, toda a obra de arte que procure inovar é revolucionária, mas justamente por isso é que a sociedade técnica – ou se se quiser, a sociedade de consumo – se empenha tanto em recuperá-la.


Marcuse encara, tal como fez Adorno, a questão da insuficiência da estética marxista, se bem que Marx e Engels, como todos sabem, nunca tiveram a intenção de construir uma teoria de arte. Isso não impede de Marcuse escrever: « O enunciado de Marx no fim da Introdução à Crítica da Economia Política não é convincente: não é possível explicar a atracão que ainda hoje exerce sobre nós a arte grega só pelo prazer de aí observarmos um quadro social da “infância da Humanidade”» (Marcuse, in «La dimension esthétique. Pour une critique de l’esthétique marxiste»)

Marcuse não dúvidas sobre este ponto: «inexoravelmente ligados, o castigo e a alegria, o desespero e a festa, Eros e tanathos não se dissolvem nos problemas da luta de classes» . Com a sua abordagem não pretende propor uma nova estética, mas tão-só questionar certas concepções erróneas, segundo ele, de um pretensa estética marxista. É que demasiados estudiosos marxistas da estética contentaram-se em interrogar os quadros ou os romances como se todos fossem documentos que exprimiam uma ideologia pela qual se reconhece uma visão do mundo. Foi o que fez Luckcs que ao ler Balzac, Zola ou Goethe procurava interrogar através das obras um universo ideológico, analisando a relação do escritor com a classe operária e ao capitalismo.

Ora segundo Marcuse a arte possui mais autonomia que as análises daquele tipo pressupõem. A arte não é uma superestrutura como as outras: ela possui uma autonomia em relação à sociedade, opondo-se a ela, ao mesmo tempo que transcende. Para ele a arte pode ser revolucionária não só pelo seu conteúdo ideológico revolucionário progressista, mas também pela sua própria forma, pela sua dimensão estética.

«O potencial político da arte reside na sua dimensão estética. A sua relação coma praxis é inevitavelmente uma relação indirecta, mediatizada e ilusória. Mais uma obra é imeditamente política mais ela perde o seu poder de descentramento e a radicalidade, a transcendência dos seus objectivos de mudança. Nesse sentido, pode acontecer que haja mais potencial subversivo na poesia de Baudelaire e de Rimbaud que nas peças didácticas de Brecht»

Marcuse quer reabilitar a subjectividade que não pode reduzir-se exclusivamente em termos de luta de classes, e critica no mesmo passo a estéril e redutora análise ideológica da estética. Escreve ele: «A função crítica da arte, a sua contribuição para a luta da libertação reside na forma estética. Uma obra de arte não é autêntica ou verdadeira nem devido ao seu conteúdo ( isto é, por ser uma representação «correcta» das condições sociais) nem por causa da sua «pura» forma, mas porque o conteúdo se tornou forma». Com isto o seu autor remete explicitamente para Nietzsche para quem «é-se artista sob condição de sentir isso como um conteúdo, como “a própria coisa”, aquilo que os não-artistas chamam a forma».

A arte é autónoma e se porventura se procurar abandonar essa autonomia para pretender ser, por exemplo, «a expressão da vida», acaba-se por abandonar com issso a forma estética pela qual se exprime a autonomia: sucumbe-se assim à realidade que se busca compreender e a denunciar. Com isto se critica a anti-arte. Se há diferença entre «arte» e «vida» ela não será abolida de modo algum pelo facto de se deixar as coisas, tais como são, chegar ao quadro ( pop arte, as propostas de Andy Warhol, etc) ou na sala de concertos ( ruídos, movimentos, conversas, etc). Expor uma lata de sopa em conserva, com faz Warhol, não é comunicar nada sobre a vida do trabalhador que a produziu, nem sobre o consumidor. Uma tal desublmação da arte acaba simplesmente por tornar supérfluo o artista, sem democratizar nem generalizar a criatividade.

Contra a anti-arte e ainda contra a estética marxista, que rejeita categoricamente a ideia do Belo ( este representaria um conceito-chave da estética burguesa), Marcuse não hesita em valorizar o Belo enquanto princípio do prazer, opondo-o ao princípio da realidade contemporânea, que é o da dominação.

Recorde-se que Marcuse retoma a distinção freudiana entre princípio da realidade e princípio do prazer, mas historicizando ambos os conceitos: o primeiro não é mais uma condição da civilização, mas antes um dado histórico destinado a ser ultrapassado, e o segundo vigorará numa futura sociedade, para a qual nos conduzirão as forças produtivas: « uma ordem não-repressiva é possível somente ao nível da maturidade máxima da civilização, quando todas as necessidades fundamentais estiverem satisfeitas com um gasto míimo de energia física e psíqquica…» ( in Eros e Civilização)

Nesta perspectiva a obra de arte desempenha um papel da maior importância: « A obra de arte realizada perpetua a recordação do momento da alegria. E a obra de arte é bela na medida em que opõe a sua própria ordem à da realidade – a sua ordem não-repressiva na qual a maldição fala em nome de Eros» ( in A dimensão estética)

«A substância sensual do Belo mantém-se através da sublimação estética.» O elogio da subjectividade, bem assim a afirmação da autonomia da arte, defendidos por Marcuse contrariam as posições marxistas ortodoxas para as quais as obras de arte mais não são que o reflexo dos condicionalismos económicos, políticos e sociais do seu autor ou da época em que forma produzidas.

http://www.marcuse.org/herbert/



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