A introdução da monografia sobre a Comuna de Paris
Ciências Humanas e Sociais

A introdução da monografia sobre a Comuna de Paris


Introdução

Esta pesquisa surgiu da necessidade teórica de aprofundar os estudos sobre a Comuna de Paris, quando do estudo da disciplina de História Moderna I, na qual tive contato, pela primeira vez, com o acontecimento. Naquele momento a experiência dos Comunardos despertou em mim um profundo interesse, e, a partir de então, resolvi levar a cabo uma pesquisa e estudo mais sistematizados. Certamente, a escolha estava imbricada de inquietações subjetivas, que minha experiência histórica impelia-me a investigar com mais profundidade. Se, naquele primeiro momento, o Assalto aos Céus acometera-me abruptamente, ao longo do ano que se seguiu, fui me acercando do tema de forma mais ordenada, e porque não, curiosa e paciente. As impressões mais marcantes da Comuna comunicavam-se diretamente com a experiência vivida com os movimentos sociais, com os quais tive contado desde guri, através da militância com meus pais ainda nas Comunidades Eclesiais de Base, no Sindicato dos Trabalhadores Rurais, no Partido dos Trabalhadores, e nos últimos anos num afastamento desses, na militância mais efetiva com o Movimento dos Pequenos Agricultores, próximo e legatário do MST. Na minha perspectiva, a Comuna de Paris poderia oferecer muitos elementos de reflexão à profunda crise existencial pela qual passam essas experiências.
Com tal intuito inicial, pude perceber que o interesse acadêmico não diferia do interesse da experiência vivida, logo, a inter complementação dessas instâncias, eram substancialmente conciliáveis. Inconfundivelmente, eram as questões do presente que me levavam a escolher aquele determinado evento, efetuar os determinados recortes, a fazer tais questões e não outras. A priori o que estava em voga era a compreensão de como aquela insurreição se dava de forma tão radical sem que um partido, ou uma direção, conduzisse a “massa inconsciente” de pessoas em busca de uma sociedade melhor, se fizera efetivamente. Na atualidade, no momento em que os movimentos entraram em seu momento mais complicado de atuação histórica, foi que as direções centralizadas e autoritárias passaram a controlar quase por completo as ações da luta: emparelhando, por baixo, os planos estratégicos em “frases sem conteúdo”, se subordinando, no plano tático, a todo tipo de políticas compensatórias do Estado Capitalista Brasileiro. Tudo isso, justificado discursivamente em repetitivas e precárias análises conjunturais. No processo de efetivação histórica de grande parte dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda no Brasil, houve uma prolixa formação cartilhesca, baseada em manuais do estalinismo, reduzindo a ação revolucionária num culto cego às organizações, suas estruturas de poder e mitificação dos “heróis” revolucionários. O pragmatismo, o ativismo e o voluntarismo embebidos de um marxismo vulgar conferiram às instâncias diretivas um protagonismo mágico: os magos da conjuntura passaram a extraviar o conteúdo real da luta que se desencadeava. Aos poucos, as estruturas de comando – ou de direção e coordenação – criavam vida própria em relação ao movimento como um todo, estabelecendo um divórcio real entre o interesse de ambas (direção x movimento), onde o interesse da primeira passa a subordinar o da segunda. O ponto crucial dessa inversão tem como pressuposto o idealismo hegeliano; por toda parte, se faz da Idéia – direção, a nata pensante – os sujeitos, enquanto os sujeitos reais – os trabalhadores em movimento – são convertidos em predicados. A fraseologia é variada e conhecida: quem faz o movimento é a direção; a organização é como um corpo e a direção é a cabeça, um corpo sem cabeça não vive. A consciência está separada do sujeito histórico, ela e propriedade privada de uso exclusivo do dirigente.
Nos movimentos sociais do campo, o aprofundamento do aparato centralizador, e a petrificação das cúpulas dirigentes, coincidiam com o definhamento do próprio movimento, tendo ainda como contrapartida a expansão do agronegócio (expansão do capital no campo) amparado pela estrutura governamental apoiada por ele. A dupla confluência de fatores: o aparato centralizador subordinado ao governo e a expansão do agronegócio eram o contraponto real de que as pseudo-análises conjunturais procuravam disfarçar. O que transforma a crise desses movimentos numa condição substantiva: tanto interna, como externa.
É claro que nestes contextos o conteúdo da Comuna de Paris nas formações de militantes teve que ser camuflada, ou quando abordada, ser mais exemplificada por sua derrota e fragilidade do que por suas realizações. A verborréia mais impostora era de que faltava para a Comuna uma Direção, um Partido de Quadros, a centralização das decisões por especialistas revolucionários, como aquela idealizada por todos os vanguardistas. Esse era o argumento!
Mas a Comuna como fenômeno histórico tem muito mais a dizer para o presente, do que as melindrosas simplificações. Essa revolução que marca o amadurecimento da classe trabalhadora de Paris e da França1 ao longo do século XIX, e que foi afogada num banho de sangue pela união dos exércitos francês e prussiano, é um feito inédito da humanidade tomando a vida por suas próprias mãos. Ela é também um acontecimento ímpar na vida e obra de seu principal comentador: Karl Marx2. Em seu comentário sobre a Comuna de Paris, Marx vê a realização material de uma dupla experiência fracassada nos idos da Revolução de 1848-1851: a primeira delas é a tentativa dele e de Engels em antecipar a realidade com um projeto revolucionário apresentado na segunda parte do Manifesto do Partido Comunista, e sua consequente impossibilidade histórica revelada já naquele momento; a segunda é a conclusão tirada em O 18 Brumário desse mesmo evento:

A revolução do século XIX não pode tirar a sua poesia do passado, mas apenas do futuro. Não pode começar consigo mesma antes de se limpar de toda superstição perante o passado. As revoluções anteriores necessitavam de reminiscências da história universal para dissimularem o seu próprio conteúdo. A revolução do século XIX tem que deixar os mortos enterrarem seus mortos, para chegar ao seu próprio conteúdo. Ali, a frase ultrapassa o conteúdo; aqui o conteúdo ultrapassa a frase (MARX, 2008, p. 210-211).
Há para Marx, na experiência concreta da revolução proletária, um conteúdo que não pode ser antecipado pela frase. A necessidade histórica da revolução social só pode ser plenamente exequível pela experiência concreta dos próprios trabalhadores, no momento em que ela acontece, e quando “tomam o assunto nas suas próprias mãos com determinação” (MARX, 2008, p. 407), “lição após lição”, sem a mediação de um Estado transitório. Marx alerta que a “classe operária não pode apossar-se simplesmente da maquinaria do Estado já pronta e fazê-la funcionar para os seus próprios objetivos”3 (MARX, 2008, p. 399), ainda mais sob o comando de uma “vanguarda revolucionária” exterior a ela. Sem ignorar em nenhum momento a revolução política, Marx a nega4 veementemente, em defesa da revolução social. Logo, as revoluções proletárias como as do século XIX (e ele estava falando das revoluções de 1830 e 1848),
criticam-se constantemente a si próprias, interrompendo-se constantemente na sua própria marcha, voltam ao que parecia terminado para começa-lo de novo, troçam profunda e cruelmente das hesitações dos lados fracos e da mesquinhez das suas primeiras tentativas, parece que apenas derrubam o seu adversário para que este tire da terra novas forças e volte a levantar-se mais gigantesco frente a elas, retrocedem constantemente perante a indeterminada enormidade dos seus próprios fins, até que se cria uma situação que torna impossível qualquer retrocesso e as próprias circunstâncias gritam: Hic Rodhus, hic salta! Aqui está a rosa, dança aqui! (MARX, 2008, p. 212).
A situação mais próxima de tornar qualquer retrocesso impossível foi a Comuna de Paris. Ali a classe trabalhadora nega positivamente o Estado e o capital ao superar as relações de classe capitalistas, a divisão do trabalho e a produção de mais valor. Sua forma política se consolidou em comunidade: “Conceito que permite a Marx superar o antagonismo entre Estado e sociedade civil, a comunidade real organiza o político5 por meio dos princípios da autodeterminação e do autogoverno” (POGREBINSCHI, 2009, p. 115), e, é a classe trabalhadora de Paris que, a partir de 18 de março de 1871, encontra o verdadeiro segredo da revolução proletária na forma da Constituição Comunal: “ela era essencialmente um governo da classe operária, o produto da luta da classe produtora contra a classe apropriadora, a forma política, finalmente descoberta, com a qual se realiza a emancipação econômica do trabalho” (MARX, 2008, p. 406). Para Marx, o segredo consistia justamente no formato empreendido - a Comuna - pelos trabalhadores livremente associados6. Se tratava da destruição da estrutura estatal burguesa, e a Comuna serviria para “extirpar os fundamentos econômicos sobre os quais assenta a existência de classes e, por conseguinte, a dominação de classe” e transformaria, assim, todos os meios de escravizar e explorar o trabalho, “em meros instrumentos de trabalho livre e associado” (MARX, 2008, p. 407). A Comuna, enquanto experiência positiva dos trabalhadores, era a efetivação histórica donde o conteúdo foi para além da frase. Sob essa perspectiva o vanguardismo emaranhado nas contendas da revolução política, não pode ser essencialmente revolucionário. No caso da esquerda brasileira que, em sua maior parte, é retardatária do aparato das políticas compensatórias do estado capitalista brasileiro, muito raramente no discurso, até conseguem ser reformistas, já que na realidade não reformam muita coisa. Falando num sentido progressivo.
Depois de minimamente organizados os elementos para uma contribuição (aventura) crítica mais fecunda, vem a necessidade de relatar como se deu o processo de estudo desde a projeção da pesquisa, inicialmente pensada em dois capítulos: o primeiro que desse conta de levantar aspectos fundamentais da conjuntura histórica em que acontece a Comuna de Paris; e o outro que trataria dos eventos em que se deu a existência da Comuna. Aqui, acontece uma situação curiosa: no momento em que começo a empreender a pesquisa de maneira mais sistemática e organizada, o projeto inicial foi perdendo utilidade, pois, os elementos teóricos que balizavam meus interesses pela Comuna e a análise das fontes que tinha em mãos foram me impelindo para a compreensão de um elemento fundamental para minhas inquietações iniciais, e que não eram premeditadas no momento da elaboração do projeto, mas que, ao mesmo tempo, é muito pouco tratada na historiografia disponível em português. A questão era a seguinte: como se fizeram os sujeitos históricos que empreenderam o Assalto aos Céus? “De onde brotaram os desconhecidos que fizeram os acontecimentos de 18 de março de 1871?” (LISSAGARAY, 1991, p. 10).
Repentinamente, a compreensão dessa lacuna da historiografia disponível mudou completamente o rumo da pesquisa sem prejuízos às intenções iniciais, mas pelo contrário, deixando o processo mais rico e instigante. Mas de onde tirar uma compreensão mais detalhada da classe trabalhadora de Paris no seu fazer-se, se na bibliografia disponível não havia nenhum exemplar que tratasse dessa questão mais detidamente? Para isso, procurei fazer um pente fino nas obras à disposição, para extrair delas o máximo de informações possíveis, e a partir disso, ir costurando no texto um mosaico de informações que mais ou menos dessem conta de minimamente responder as questões postas. O espaço dessa pesquisa é limitado, acredito ter extrapolado seus limites, sem dar conta de uma aproximação mais suficiente do conteúdo. Para tanto, fiz bastante uso de notas de rodapé, com o intuito de enriquecer o texto com temas que não teriam mais como ser trabalhados, e nem por isso seriam menos importantes.
Na medida do possível fui submetendo minhas anotações e fontes a alguns pressupostos teóricos retirados de Edward P. Thompson e Walter Benjamin, ao primeiro principalmente no que se refere ao conceito de classe trabalhadora. No prefácio da obra A Formação da Classe Operária Inglesa ele se acerca do problema da seguinte forma:
Por classe, entendo um fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na consciência. Ressalto que é um fenômeno histórico. Não vejo a classe como uma “estrutura”, nem mesmo com uma “categoria”, mas como algo que ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas relações humanas (THOMPSON, 2004, p. 9).
Para Thompson, a noção de classe é algo fluído, que escapa a qualquer forma de engessamento ou ossificação. Ele está combatendo as idéias de que a classe é uma coisa, mais ou menos manipulável e matematicamente quantificável. Como relação histórica ela “precisa estar sempre encarnada em pessoas e contextos reais” (2004, p.10). Essa relação depreende-se de duas condições que se interpõem no processo histórico: a experiência de classe e a consciência de classe.
A experiência de classe é determinada, em grande medida, pelas relações de produção em que os homens nasceram – ou entraram involuntariamente. A consciência de classe é a forma como essas experiências são tratadas em termos culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, idéias e formas institucionais. Se a experiência aparece como determinada, o mesmo não ocorre com a consciência de classe. Podemos ver uma lógica nas reações de grupos profissionais semelhantes que vivem experiências parecidas, mas não podemos predicar nenhuma lei. A consciência de classe surge da mesma forma em tempos e lugares diferentes, mas nunca exatamente da mesma forma (THOMPSON, 2004, p. 10).
Para fazer essas afirmativas Thompson retorna a Marx, procurando dialogar com seus textos históricos, exortando a deturpação7 que é feita com os textos marxianos. O que ele encontra em Marx está intimamente ligado à discussão apontada acima, em que o simples fato dos trabalhadores estarem uniformemente distribuídos no processo de produção não lhes garante de imediato à consciência revolucionária para superá-la: “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade, em circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e transmitidas pelo passado” (MARX, 2008, p. 207). Na minha impressão, o que liga Thompson diretamente a Marx não são, em nenhum momento os determinismos econômicos, lógicos e científicos – materializados em programas revolucionários e projetos de governo – mas, as condições reais de existência que compreendem a totalidade das relações humanas, e como elas são tratadas em termos culturais, tendo como fundamento as relações econômicas; como fundamento, jamais como determinação direta e totalitária. Assim, as relações humanas em seus termos culturais apresentam uma autonomia relativa em relação à estrutura econômica e, ao mesmo tempo, uma dependência ontológica. A experiência de classe aporta a essa totalidade dialética. Nesse sentido, tanto um como o outro se debruçam exaustivamente sobre a realidade, sobre as circunstâncias em que ela se desenrola, para encontrar os fundamentos objetivos e subjetivos da luta de classe. “Cada passo de movimento real vale mais do que uma dúzia de programas”8 (MARX, 1979, p. 207).
O segundo autor, cujo procedimento teórico e metodológico influenciou a pesquisa, e que se aproxima muito de Marx (principalmente às obras históricas e filosóficas) e de Thompson, é Walter Benjamin. Partindo da análise do presente com o materialismo histórico, ele impele para a busca no passado de sua redenção, desvela nesse passado um índice misterioso em que a história transformou em coisa sua. Procura arrancar do presente o que, em algum momento da história, foi silenciado: 
 
Pois não somos tocados por um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos ecos de vozes que emudeceram? Não têm as mulheres que cortejamos irmãs que elas não chegaram a conhecer? Se assim é, existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa. Alguém na terra está à nossa espera. Nesse caso, como a cada geração, foi-nos concedida uma frágil força messiânica para a qual o passado dirige um apelo. Esse apelo não pode ser rejeitado impunemente. O materialista histórico sabe disso (BENJAMIN, 1987, p 223).
O encontro secreto marcado entre as gerações precedentes e a nossa, conduz o materialista histórico a construir uma história vista dos de baixo, onde “nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história” (BENJAMIN, 1987, p 223). É nesse ponto crucial que deve ser repelida a prática do historicismo que se confraterniza no presente com o vencedor, e estabelece com ele uma relação de empatia. Pois, “ora, os que num momento dado dominam são os herdeiros de todos que venceram antes” (BENJAMIN, 1987, p 225). Segundo Benjamin essa é a grande lição para o materialista histórico, para o historiador. A classe trabalhadora que foi derrotada na Comuna continua sendo derrotada e silenciada até hoje, mesmo por muitas das organizações de trabalhadores que pretendem ser sua herdeira. Para o autor das Passagens em Sobre o Conceito da História a apropriação adequada do materialismo histórico é a chave do segredo:
Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais. O materialismo histórico os contempla com distanciamento. Pois todos os bens culturais que ele vê têm uma origem sobre a qual ele não pode refletir sem horror. Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corveia anônima dos seus contemporâneos. Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo (BENJAMIN, 1987, p 225).
Tanto Thompson quanto Benjamin partem, no meu entender, do mesmo pressuposto metodológico: o materialismo histórico. O segundo deixa isso claro nas citações acima, já o primeiro o faz no combate às ortodoxias9 predominantes do seu tempo, porque para ele “apenas os vitoriosos (no sentido daqueles cujas aspirações anteciparam a evolução posterior) são lembrados”, no entanto, “os becos sem saída, as causas perdidas e os próprios perdedores são esquecidos”. Em seguida, resume seu objeto de pesquisa: 
 
Estou tentando resgatar o pobre tecelão de malhas, o meeiro luddita, o tecelão do “obsoleto” tear manual, o artesão “utópico” e mesmo o iludido seguidor de Joana Southcott, dos imensos ares superiores de condescendência da posteridade. Seus ofícios e tradições podiam estar desaparecendo. Sua hostilidade frente ao novo industrialismo podia ser retrógrada. Seus ideais comunitários podiam ser fantasiosos. Suas conspirações insurrecionais podiam ser temerárias. Mas eles viveram nesses tempos de aguda perturbação social, e nós não. Suas aspirações eram válidas nos termos de sua própria experiência; se foram vítimas acidentais da história, continuam a ser, condenados em vida, vítimas acidentais (THOMPSON, 2004, p. 13).
Enfim, tendo cercado razoavelmente teórica e metodologicamente os caminhos da pesquisa, o estudo ficou organizado em dois capítulos que remetem às condições de vida da classe trabalhadora de Paris no século XIX. O primeiro capítulo compreende as questões mais gerais que vão da Revolução Francesa à Revolução de 1848. Estão compreendidas aí referências ao drama social vivido pela classe trabalhadora e suas paupérrimas condições econômicas, o processo de urbanização, o paradigma da multidão, os processos de organização, a revolta contra as máquinas, as manipulações da burguesia, as primeiras concepções socialistas, o desvendar-se da classe enquanto classe em si e para si, etc. O segundo capítulo a princípio, cronologicamente, se encontra alçado entre a Primavera dos Povos e a Comuna de Paris, onde aparece uma ênfase maior no segundo Império: de sua ascensão à queda e as consequências gerais para a classe trabalhadora. A busca das causas da Comuna sempre lampeja para o comportamento dos trabalhadores, é nesse momento que a lacuna historiográfica é maior, não há muitas obras que a abordem mais detidamente. Penso que, para os objetivos propostos, o que realmente se efetivou foi um esforço aproximativo que gostei muito de fazer.


1 A França é o país em que as lutas históricas de classes sempre foram levadas mais do que em qualquer outro lugar ao seu termo mais decisivo e onde, portanto, as formas políticas mutáveis dentro das quais se movem essas lutas de classes e nas quais se assumem seus resultados, adquirem o contorno mais acusados. Centro do feudalismo na Idade Média e país modelo da monarquia unitária de Estados (ou ordens sociais – ständische) desde o renascimento, a França demoliu o feudalismo na grande revolução e fundou a dominação pura da burguesia sob uma forma clássica como nenhum outro país da Europa. Também a luta do proletariado cada vez mais vigoroso contra a burguesia dominante reveste aqui uma forma aguda, desconhecida noutras partes (ENGELS, 2008, p. 204)

2 Foi precisamente Marx quem primeiro descobriu a grande lei do movimento da história, a lei segundo a qual todas as lutas históricas, quer se desenvolvam no terreno político, no religioso, no filosófico, ou noutro terreno ideológico qualquer, não são na realidade, mais do que a expressão mais ou menos clara de luta de classes sociais, e que a existência dessas classes, e portanto também as colisões entre elas, são condicionadas, por sua vez, pelo grau de desenvolvimento da sua situação econômica, pelo caráter e pelo modo da sua produção e da sua troca, condicionada por estes (ENGELS, 2008, p. 204)

3 “Essa frase é de imensa importância e vale a pena retomá-la. Ela foi transcrita por Marx e Engels no último prefácio que escreveram juntos (e definitivamente o último escrito por Marx), para a segunda edição alemã do Manifesto Comunista, em 1872 (POGREBINSCHI, 2009, p. 147).

4 Thamy Pogrebinschi usa ‘desvanecimento’ com o sentido de negação do Estado e da política referidos em Marx na acepção de Hegel em Ciência da Lógica. “Trata-se do sentido hegeliano, dialético, expresso no conceito de ‘Aufhebung’, que encontra sua melhor tradução para o inglês na forma do substantivo ‘sublation’ e em português é usualmente traduzido como ‘negação’ ou ‘transcendência’, e se localiza no centro do sistema dialético hegeliano” (POGREBINSCHI, 2009, p. 100).

5 O político em Pogrebinschi é a negação da política, do Estado.

6 Marx deseja justamente com seu conceito de associação permitir que a única mediação possível ao homem seja entre ele e ele mesmo [...] busca [...], fazer da associação fonte da impossibilidade da cisão de sujeitos e de todos os dualismos construídos na história do pensamento político e reforçados pela modernidade (POGREBINSCHI, 2009, p. 123).

7 Em minha opinião, essa deturpação procede em grande parte na esquerda brasileira atual, às vezes por limitação, outras por pelegagem mesmo. “Essas “defasagens” e distorções culturais constituem um incômodo, de modo que é mais fácil passar para alguma teoria substitutiva: o partido, a seita ou o teórico que desvenda a consciência de classe, não como ela é, mas como deveria ser” (THOMPSON, 2004, p. 10). Essas presepadas dão margem para que a noção de classe seja usada pejorativamente e criticada sem dificuldades, como algo imposto a realidade pelos “arautos” do comunismo. A classe termina sendo imobilizada, e na maioria das vezes negada em sua existência real.

8 Carta de Marx enviada de Londres a W. Bracke, em 5 de maio de 1875, em função de seu repúdio ao Programa do Partido Operário Alemão, conhecido como Programa de Gotha.

9 Há a ortodoxia fabiana, onde os trabalhadores em sua grande maioria são visto como vítimas passivas do laissez-faire, com a exceção de alguns organizadores com uma visão de longo alcance (especialmente Francis Place). Há a ortodoxia dos historiadores econômicos empíricos, onde os trabalhadores são vistos como força de trabalho, migrantes ou dados de séries estatísticas. Há a ortodoxia do ‘Progresso do Peregrino’, onde aquele período é esquadrinhado em busca de pioneiros precursores do Estado do Bem-Estar Social, progenitores de uma Comunidade Socialista ou (mais recentemente) precoces exemplares de relações industriais racionais. Cada uma dessas ortodoxias tem uma certa validade. Todas contribuíram para nosso conhecimento. Discordo das duas primeiras porque tendem a obscurecer a atuação dos trabalhadores, e o grau com que contribuíram com esforços conscientes, no fazer-se história. Discordo da terceira porque lê a história à luz de preocupações posteriores, e não como de fato ocorreu. Apenas os vitoriosos (no sentido daqueles cujas aspirações anteciparam a evolução posterior) são lembrados. Os becos sem saídas, as causas perdidas e os próprios perdedores são esquecidos.( (THOMPSON, 2004, p. 12-13).

Por: Luiz Fernando Ribeiro UFPB
Colaborador deste Blog


Por: Luiz Fernando Ribeiro




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