Ciências Humanas e Sociais
50º aniversário do jornal Notícias da Amadora
http://www.noticiasdaamadora.com.pt/index.phpReproduzimos o editorial comemorativo do 50º aniversário que retiramos do website do jornal Notícias da Amadora, que se destacou na luta oposicionista contra a ditadura fascista de Salazar e Caetano:No 50º aniversário da fundação Dar à notícia a celebração pública
Há 50 anos, no dia 25 de Outubro de 1958, o jornal «Notícias da Amadora» foi pela primeira vez apregoado na rua. Surgia o periódico que durante 48 anos havia de celebrar a notícia sem se deixar amordaçar, mesmo nos 16 anos de ditadura e obscurantismo em que se publicou. Um jornal que exaltou a queda do regime fascista em 25 de Abril de 1974 e que viria a soçobrar em democracia. Esta é uma das muitas contradições e fragilidades do regime democrático, a contingência do arbítrio que nega ou enfraquece a própria democracia. António de Jesus, o fundador do «Notícias da Amadora», é um homem que não podíamos deixar de celebrar. Foi ele que, desde 1957, intentou publicar um jornal na Amadora. Relevava o interesse público que representava um jornal para a então vila da Amadora e o seu concelho, o município de Oeiras onde se integrava. O «Notícias da Amadora» veio preencher uma necessidade. A Amadora e a população concelhia passaram a dispor de «um jornal, digno, independente, um porta-voz ou tribuna onde os seus problemas, interesses, necessidades e casos fossem revelados à Nação». Mas celebro de forma particular e sentida Orlando Gonçalves, que foi o grande obreiro do projecto editorial e jornalístico. Durante 31 anos, desde 1963 a 1994, ano da sua morte, dirigiu o jornal, sem ceder a pressões nem dele retirar benefícios, a não ser o de saber cumprido o desígnio de um serviço público de estimável valor cultural. Em 26 de Junho de 1963, Orlando Gonçalves reafirmou que o «Notícias da Amadora» serviria o público a que se destina. «Será um jornal vivo, dinâmico, actuante e interessado», «porta-voz dos anseios justos das populações trabalhadoras da zona que servimos.» Postulava a verdade, a razão e a justiça como o norte editorial do jornal. O seu principal objectivo era a defesa dos interesses da vila e do concelho. Mas como a sua existência não podia ser desligada de um contexto mais amplo, cumpria também ao jornal dar notícia de todas «as povoações que bordejam a linha de Sintra». E levou tão convictamente essa tarefa a cabo que o «Notícias da Amadora» ganhou expansão nacional. Orlando Gonçalves deu vida a uma equipa entusiástica que se renovou ao longo dos anos e que renovou com cunho profissional e cívico o jornalismo que se fazia em Portugal. Uma equipa que partilhava um objectivo gigante para um pequeno jornal em tempo de ditadura. Queria «dar o seu modesto contributo à necessidade nacional de uma Imprensa esclarecida, independente, informada, que ajude as pessoas a transformarem-se e a terem uma visão mais correcta do seu lugar na vida e na sociedade portuguesa». Na edição de 27 de Junho de 1970, Orlando Gonçalves anunciou um novo salto, uma nova fase na vida do «N.A.», passou a dispor de oficinas gráficas próprias e a ter distribuição nacional. Mas continuou a «servir princípios de verdade e justiça (verdade e justiça que serão as nossas) e não servir homens ou interesses de grupos». Essa temeridade e determinação na defesa dos seus ideais foram punidas com a prisão às mãos da PIDE. E foi da prisão de Caxias que saiu em 25 de Abril de 1974. Para voltar à luta por princípios de verdade e justiça que manteve inabaláveis até à sua morte prematura em 8 de Novembro de 1994. Coube-me a mim prosseguir esse trabalho, que já se antevia cada vez mais difícil ainda em vida de Orlando Gonçalves. A equipa que prosseguiu a edição do «Notícias da Amadora» confirmou o objectivo de sempre: servir o interesse público, dar voz a quem não a tinha e escrutinar a actividade dos políticos, eleitos para governar em nome do povo, mas que sobejamente se entregam a interesses de grupos. Durante 12 anos, o «Notícias da Amadora» desafiou as probabilidades que lhe anunciavam morte prematura. Mesmo assim não cedeu, nem vendeu a sua independência. O seu património editorial, a memória de todos os que batalharam e se sacrificaram para que o jornal chegasse a casa dos assinantes assim o exigia. Neste aniversário, celebramos também Maria Luísa Antunes Gonçalves, falecida em 21 de Janeiro de 2007, que também dedicou a sua vida ao «Notícias da Amadora». Celebramos ainda outros amigos já desaparecidos que, ao longo da vida do jornal, prestaram uma estimável colaboração, designadamente, Miguel Serrano, Fernando Assis Pacheco, Manuel de Azevedo, Alberto Villaverde Cabral, Joaquim Assunção Leal, Francisco Marcelo Curto, Alice Nicolau, Blasco Hugo Fernandes, Muradali Mamadhusen, Fernando Bizarro e Fernando Sequeira.
Não há notícia Hoje não há notícia da Amadora nem sobre os acontecimentos que todos os dias ocorrem. Esse é o significado evidente do desaparecimento do «Notícias da Amadora». O município regrediu aos idos de 1958. Está tão pobre em informação como estava antes de António de Jesus tomar em mãos esse desafio. Hoje a população da Amadora não tem quem lhe dê voz, não tem um jornal onde os seus interesses, necessidades e anseios adquiram notoriedade pública e publicada. Não tem quem escrutine a gestão municipal nem quem interpele a governação do município. Não há na Amadora espaço público, amplo e plural, tal como é concebido nas sociedades desenvolvidas. Pelo contrário, o crescimento urbanístico continua em bom ritmo, contribuindo para degradar a qualidade de vida. Não há conhecimento verdadeiro da vida colectiva. Mesmo aquelas actividades que são promovidas ou cumprem calendário não são fruídas pela população, que desconhece a sua existência. No entanto, não falta matéria-prima para dar notícia sobre a Amadora. Nem faltam assuntos a merecer investigação jornalística. O que falta à Amadora é saúde democrática. Os jornais e os outros meios de comunicação social são justamente considerados pelos democratas como instrumentos indispensáveis à vida civilizada. A história dá-nos sobejos exemplos que só teme a informação quem se pauta por relações patrimonialistas, quem quer abafar protestos ou calar a descoberta da verdade. Mas nos seus avanços e recuos, as populações e os povos acabam sempre por descortinar os caminhos de uma vida melhor. Celebrar a informação independente e o jornalismo cívico é um tributo à memória editorial do «Notícias da Amadora» e o reconhecimento da sua importância passada. Orlando César Retirado de:
http://www.noticiasdaamadora.com.pt/index.php
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